O que é
v Psicologia Educacional: encontro entre as áreas do conhecimento da Psicologia e Educação.
v Movimento da Escola Nova: tornou necessária a presença da psicologia, construindo demandas específicas para a Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem.
Objetivos
v Analisar por que a Psicologia se tornou necessária para a Educação;
v Como a psicologia respondeu as demandas que lhe foram feitas;
v Abordar criticamente a relação entre Psicologia e Educação;
v Apresentar a cumplicidade ideológica que se estabeleceu entre as duas áreas e que tem caracterizado à prática educativa atual.
v Intenção de contribuir para que esta relação possa se dar em outros termos e possamos superar conjuntamente as visões naturalizantes que temos desenvolvido.
Histórico
1. Escola Tradicional: reúne experiências e concepções pedagógicas que caracterizam e orientam a educação desde o séc. XVIII até o início do séc. XX.
v São processos educativos que tiveram lugar, principalmente, em escolas religiosas.
v Pensou a educação como um trabalho de desenraizamento do mal natural que caracterizava o ser humano.
v O conhecimento era visto como o único instrumento capaz de dar ao homem o autocontrole para controlar a parte má.
v O aluno aparecia ao professor como naturalmente corrompido, assim, deveriam ser expostos ao modelo aperfeiçoado do humano, para poderem desenvolver a natureza humana essencial.
v Este modelo estava dado aos professores e alguém escolhido para dar nome à escola e que deveria ser cultuado e seus feitos divulgados, para que os alunos pudessem conhecer o modelo a ser seguido.
v Também estava fincada sobre outro princípio: disciplina e regras firmes para que os alunos pudessem corrigir os seus desvios.
v Vigilantes disciplinares: eram agentes educacionais que asseguravam que os princípios e códigos morais construídos e repetidos à exaustão fossem garantidos.
v Escola Tradicional: caracterizada por disciplina, regras, vigilância e muito conteúdo escolar.
v Visão do aluno: dotado de uma natureza humana corrompida com a possibilidade de, sendo bem educado, desenvolver um lado bom desta natureza.
2. Para que Psicologia?
v Já se conhecia a natureza humana corrompida e já se sabia de seu potencial, que ficava a cargo da educação promover por meio da disciplina e do conhecimento.
v Assim não havia a necessidade de qualquer outro conhecimento sobre os seres humanos.
3. Estrutura Social – Escola Tradicional
v Aristocrática hierarquizada e cristalizada (nasce nobre, morre nobre).
v Concepções de mundo cristalizadas: a Terra é o centro do universo, a natureza é sagrada, a verdade é única e dada por revelação divina.
v Destino traçado, não há escolha.
v Tudo está pronto e acabado.
4. A revolução da Escola Nova
v Séc. XX: trouxe muitas transformações no mundo, a Grande Guerra trouxe a valorização da infância, tomada como o futuro.
v Pedagogia da Escola Nova: pôs no avesso as ideias da Escola Tradicional, a criança passou a ser vista como naturalmente boa.
v A escola cabia manter na criança bondade e espontaneidade.
v Passou a ser espaço de liberdade e de comunicação. A criança poderia manifestar sua afetividade e criatividade. Todas manifestações infantis foram tomadas como naturais.
v A escola manteve-se vigilante quanto ao desenvolvimento psicológico da criança.
v Vigilantes do desenvolvimento: composto por psicólogos e pedagogos.
v Regras e disciplina: não havia regras, a não ser aquelas construídas pelo grupo escolar. Também não havia preocupação com a disciplina.
v A comunicação entre as crianças era prioridade.
v Professor: função de organizador das condições de aprendizagem, devendo prover materiais e situações de aprendizagem.
v Técnicas pedagógicas: se tornaram ativas, alunos em atividades permanentes, vivendo a situação do aprendizado e da descoberta.
v As escolas não cultuam mais os grandes homens, mudando seus nomes para ideias ou símbolos de grupalização e referência a infância.
v A cultura como saber continuo a ser instrumento básico de trabalho, era importante estimular perguntas e não mais fornecer respostas.
v Escola Nova: caracterizada por liberdade, comunicação, afetividade e criatividade, com situações de aprendizagem ativas.
v Visão do aluno: vista como naturalmente boas, com vistas a desenvolver uma educação que as mantenham assim.
5. Para que a Psicologia?
v Era preciso saber como se dá o desenvolvimento natural das crianças para poder vigiá-las deste ponto de vista.
v Psicologia aparece como área do saber capaz de fornecer respostas que se necessitava.
v Muita coisa será produzida sobre o desenvolvimento infantil: de seu pensamento e inteligência, de seus afetos e sua sociabilidade, oferecendo a educação um saber imprescindível.
v A psicologia também se desenvolve como prática capaz de contribuir no processo educacional: instrumentos de Psicologia (testes), como, formar classes homogêneas e avaliar o desenvolvimento; e a clínica começa a atender crianças com dificuldade de aprendizado.
6. Estrutura Social – Escola Nova
v Capitalismo monopolista, sociedade em permanente movimento.
v Nada é sagrado que não possa ser transformado e vendido como mercadoria.
v Movimento permanente: apenas o movimento da sociedade, do mercado e da produção garante a reprodução de capital e promete ascensão a todos.
v Neste constante movimento necessita-se de pessoas inquietas, ativas e criativas – homens e mulheres empreendedores.
v A política educacional é o resultado de disputa de interesses e negociações entre grupos religiosos, empresários, trabalhadores.
A Cumplicidade Ideológica
1. Devemos ser capazes de desvelar o que os discursos e concepções construídas ocultaram.
2. A educação ficou concebida como processo cultural de desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos.
3. Todos os aspectos sociais que compõem e educação ficaram ocultados.
4. A educação é um processo social, por meio da qual a sociedade adulta impõe seus modelos, valores e regras:
v Responde às necessidades de grupos dominantes;
v A educação é mantida financeiramente;
v É cobrado dela responder às exigências e funções atribuídas;
v Espera-se que prepare os indivíduos para o trabalho e para a convivência social (regras de conduta e valores morais dominantes);
v Deve utilizar como instrumento básico de intervenção uma determinada cultura, tomada pelo conjunto social, que controlaa educação, como a única cultura válida.
v São esses parâmetros sociais que são traduzidos em parâmetros pedagógicos e servem para a programação de conteúdo escolares, regras, critérios e formas de avaliação.
5. A psicologia dominante possui uma visão de homem que parte da noção de natureza humana.
v Somos dotados de uma natureza que, ao se atualizar, produz capacidades que temos como humanos.
v O mundo psicológico faz parte desta natureza, portanto, está dado como potencialidade.
v A dinâmica e estruturas do mundo psíquico são universais, o conteúdo varia com a cultura.
v As crianças que por qualquer motivo não apresentam desenvolvimento serão tomadas como problemas.
v Nossas noções isolaram o sujeito de seu mundo social.
v A psicologia não integrou em seus conceitos a realidade social.
v É com esta noção que a Psicologia contribui, para que a educação e as instituições possam sempre ficar ilesas e isentas da crítica ou do fracasso, e este será sempre dos sujeitos, nunca da didática, estrutura autoritária da escola, de sua desatualização, etc.
v O pensamento científico vem com autoridade para explicar o que se quer esconder (pobreza, desestruturação familiar, violência, moradia).
6. Diagnóstico psicológico – encaminhamento escolar
v Muitos diagnósticos são feitos sem que se conheça a escola, a professora, o que está sendo ensinado, como está sendo ensinado;
v Sem que se pergunte à criança o que ela sabe sobre o seu encaminhamento, sobre suas dificuldades em aprender e suas ideias a respeito da escola;
v É como se o modelo de diagnóstico de relatório já estivessem dados e estas questões não coubessem nos instrumentos e formulários;
v A cumplicidade que se afirma, é exatamente esta: a Psicologia se tornou cúmplice de Pedagogia na acusação da vítima.
v Não analisou a educação como um processo social e a escola como uma instituição a serviços de interesses sociais.
v Como estas questões interferem na sala de aula, nas formas de ensino, na avaliação e seus critérios, e como determinam seu currículo oculto.
As Consequências da Cumplicidade
1. Os interesses das camadas dominantes ficam garantidos.
2. Mas porque tanto interesse em acobertar o processo social que caracteriza a educação?
v As relações sociais e as formas de produção de vida, no Brasil, têm gerado desigualdades sociais de tamanha monta que somos campeões de desigualdade no mundo.
v A educação é divulgada como um processo baseado e produtor de igualdade social;
v As desigualdades sociais são compreendidas como falta de empenho ou dedicação à educação.
a) Este discurso sobre a educação garante o papel “neutro” do governo/Estado;
b) Permite que a política de redução de gastos com projetos sociais se desenvolva em surdina;
c) Projetos de privatização da educação são apresentados sempre como busca de qualidade;
d) As escolas públicas foram sucateadas com a política de redução de gastos – as camadas médias e altas retiraram seus filhos destas escolas e os colocaram em particulares;
e) Agora a privatização é oferecida como mesma oportunidade para todos – restando a escola pública como alternativa apenas para camadas muito pobres.
f) A situação da escola pública é lida como crise, quando na verdade é uma política.
v A concepção de educação como acesso a cultura continua a vigorar:
a) As populações pobres se sentem menos competentes e capazes porque não dominam a Cultura;
b) Esforçam-se para que seus filhos frequentem a escola e se apropriem da Cultura;
c) Podendo concorrer no mercado em “pé de igualdade” com todos os outros filhos;
d) As camadas baixas desenvolvem uma autodesvalorização: pois as condições foram dadas e seus filhos não souberam aproveitar.
v O papel cumprido pela ideologia da educação como produtora de igualdade e de condições para se obter uma vida digna se torna fundamental:
a) Para qualquer governo que não queira investir em projetos sociais;
b) Que não queira entender a educação como um direito de todos;
c) E investir nela como condição de qualificação da sociedade.
3. Como a psicologia se torna cúmplice desta ideologia?
v O individualismo (responsabilização do indivíduo pelo seu próprio desenvolvimento) recebe enorme ajuda da psicologia para se instituir:
a) A ideia de diferenças individuais, marcando que cada indivíduo possui suas características e deve ser avaliado por isto, e que estas diferenças são da responsabilidade de cada um.
b) Ideia de sujeito isolado do mundo social, com desenvolvimento independente de forças ou condições sociais.
c) Reduz a realidade educacional que também é social, a uma realidade individual.
Outras Consequências da Cumplicidade Ideológica
1. Oposição entre discurso educativo e prática escolar
v O discurso educativo garantirá a igualdade.
v A prática escolar trabalhará com experiências de currículo oculto (desigualdade, diferença, preconceitos e discriminações).
a) Situações que fogem ao currículo planejado e organizado por órgãos competentes, pela escola e professor;
b) Como o professor lida com o aluno que apresenta dificuldades e com situações de indisciplina;
c) Situações que fogem ao planejamento e ao discurso oficial da educação;
v Falsidade permanente no processo educativo:
a) Contradição vivida entre o discurso do professor e sua prática com os alunos (fala de igualdade, mas trata alunos como desiguais; fala da relação da escola com a vida, mas não vincula o ensino à vida dos alunos);
b) Esta situação de contradição é vivida e significada do ponto de vista da subjetividade de cada aluno e próprio professor;
c) Desenvolve a todos eles um descrédito na educação.
2. Noção de naturalização do homem
v As diferenças entre as pessoas ficam tomadas como distintas produzidas no decorrer do tempo e desenvolvimento, geradas pelas formas como cada um se engaja e aproveita as condições oferecidas pelo meio.
v Garante a noção de igualdade natural entre os homens e diferenças individuais produzidas sob responsabilidade de cada um.
v No processo educacional esta noção tem decorrências importantes:
a) Avaliação da produção: avaliar todos da mesma forma, porque são inicialmente iguais.
(1) Os critérios de avaliação são apresentados como naturais;
(2) Fica fora do alcance do professor modificá-los, eles se referem aos conteúdos ou habilidades naquela fase do desenvolvimento;
(3) Avaliar é compreendido como comparar um modelo, com um padrão natural do desenvolvimento;
(4) O professor nega seu papel ativo de avaliar, e torna-se um mero verificador do desenvolvimento do aluno.
b) Desvalorização do aluno: aluno não é considerado como parceiro em um processo, no qual seus componentes estão em movimento e transformação.
(1) Estabelece posição de: professor que sabe e aluno que aprende;
(2) Deixa de perceber o processo dialético de aprendizado, que reduz a distância e a diferença entre professor e aluno (construção do conhecimento);
c) O erro é visto como um descaminho:
(1) Não como um momento de aprendizado;
(2) Como etapa da experiência;
(3) Como condição de desenvolvimento de um aluno autônomo;
(4) A avaliação deveria ser um momento de compreensão dos acertos e erros;
(5) O erro é tomado como: desleixo, descaso, falta de atenção ou estudo.
d) Dificuldade de aprendizagem:
(1) Não se pode pensar em adaptar o ensino ou suas condições para acolher a criança com sua vida vivida (problemas familiares, moradia, violência, estímulo, afeto, alimentação, etc);
(2) Há uma neutralidade no ensino e as condições iguais a todos;
(3) A escola ensina da mesma forma sempre, desconhecendo os alunos que estão aprendendo.
e) Patologização da pobreza:
(1) Alunos são vistos com “dificuldade de aprender”;
(2) Mecanismos são criados para corrigir as falhas: um deles é a psicopedagogia;
(3) Ensinam individualmente considerando a situação de cada criança e adaptam o ensino às condições da vida de cada um;
(4) Os psicólogos são chamados para ajudar a superarem dificuldades, que são suas, individuais.
(5) E o problema que deveria ser lido como um problema da educação, do ensino, da sociedade, é lido como um problema individual.
v A Psicologia deveria ser capaz de denunciar péssimas condições de vida como geradoras de desigualdade que leva alunos desiguais à escola.
a) Escola esta que incrementa esta desigualdade e oferece uma ideologia que consegue fazer o aluno e sua família acreditarem que ele é o responsável pela situação de fracasso.
b) Assim silencia a pobreza, com a ajuda da Psicologia, destinada a ser lida como falta de aproveitamento das oportunidadesque o Estado oferece a todos para se desenvolverem.
c) São tratados como pessoas preguiçosas que não vêem a importância da educação, e devem ser responsabilizados pelo fracasso a que estão destinados.
d) A psicologia deve romper com a cumplicidade que tem caracterizado sua relação com a educação, para se apresentar como um conhecimento capaz de demonstrar e compreender a dimensão subjetiva da experiência vivida na escola pelas camadas pobres.
v A Psicologia se institui em nossa sociedade moderna como uma ciência e uma profissão conservadoras que não constrói, nem debate um projeto de transformação social.
a) Pois se o estado de saúde e psicológico ideal é natural, não há por que considerar necessário um projeto de homem e sociedade que respalde a Psicologia e suas intervenções.
b) O diferente torna-se patológico, pois não segue a natureza humana.
c) A psicologia se instalou na sociedade brasileira para diferenciar e categorizar, criando instrumentos adequados para isto e construiu-se um perfil profissional voltado para psicoterapias e para os consultórios de psicologia.
v É preciso adotar concepções que compreendam o sujeito como se constituindo ao atuar no mundo e nas relações sociais.
a) Pensar o homem, como ser histórico e social, que atua de forma transformadora sobre o mundo e, ao fazer isso, se transforma também;
b) Possibilita que a Psicologia contribua para que o educador compreenda a importância de seu papel na escola:
(1) Planejamento das situações educativas;
(2) Enriquecer o ensino com conteúdos da realidade próxima aos educandos;
(3) Estes elementos serão condições de construção de um mundo psicológico saudável;
(4) Possibilitam ao aluno ampliar a sua compreensão do mundo que o cerca.