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Psicologia da Educação: Cumplicidade Ideológica


#pracegover: Mafalda uma menina de seis anos, com um jornal na mão e o outro braço levantado com a mão fechada, acima um balão de diálogo exclamando - Educação não é mercadoria! Tirinha Mafalda do cartunista argentino Quino.

O que é

v Psicologia Educacional: encontro entre as áreas do conhecimento da Psicologia e Educação.

v Movimento da Escola Nova: tornou necessária a presença da psicologia, construindo demandas específicas para a Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem.

Objetivos

v Analisar por que a Psicologia se tornou necessária para a Educação;

v Como a psicologia respondeu as demandas que lhe foram feitas;

v Abordar criticamente a relação entre Psicologia e Educação;

v Apresentar a cumplicidade ideológica que se estabeleceu entre as duas áreas e que tem caracterizado à prática educativa atual.

v Intenção de contribuir para que esta relação possa se dar em outros termos e possamos superar conjuntamente as visões naturalizantes que temos desenvolvido.

Histórico

1. Escola Tradicional: reúne experiências e concepções pedagógicas que caracterizam e orientam a educação desde o séc. XVIII até o início do séc. XX.

v São processos educativos que tiveram lugar, principalmente, em escolas religiosas.

v Pensou a educação como um trabalho de desenraizamento do mal natural que caracterizava o ser humano.

v O conhecimento era visto como o único instrumento capaz de dar ao homem o autocontrole para controlar a parte má.

v O aluno aparecia ao professor como naturalmente corrompido, assim, deveriam ser expostos ao modelo aperfeiçoado do humano, para poderem desenvolver a natureza humana essencial.

v Este modelo estava dado aos professores e alguém escolhido para dar nome à escola e que deveria ser cultuado e seus feitos divulgados, para que os alunos pudessem conhecer o modelo a ser seguido.

v Também estava fincada sobre outro princípio: disciplina e regras firmes para que os alunos pudessem corrigir os seus desvios.

v Vigilantes disciplinares: eram agentes educacionais que asseguravam que os princípios e códigos morais construídos e repetidos à exaustão fossem garantidos.

v Escola Tradicional: caracterizada por disciplina, regras, vigilância e muito conteúdo escolar.

v Visão do aluno: dotado de uma natureza humana corrompida com a possibilidade de, sendo bem educado, desenvolver um lado bom desta natureza.

2. Para que Psicologia?

v Já se conhecia a natureza humana corrompida e já se sabia de seu potencial, que ficava a cargo da educação promover por meio da disciplina e do conhecimento.

v Assim não havia a necessidade de qualquer outro conhecimento sobre os seres humanos.

3. Estrutura Social – Escola Tradicional

v Aristocrática hierarquizada e cristalizada (nasce nobre, morre nobre).

v Concepções de mundo cristalizadas: a Terra é o centro do universo, a natureza é sagrada, a verdade é única e dada por revelação divina.

v Destino traçado, não há escolha.

v Tudo está pronto e acabado.

4. A revolução da Escola Nova

v Séc. XX: trouxe muitas transformações no mundo, a Grande Guerra trouxe a valorização da infância, tomada como o futuro.

v Pedagogia da Escola Nova: pôs no avesso as ideias da Escola Tradicional, a criança passou a ser vista como naturalmente boa.

v A escola cabia manter na criança bondade e espontaneidade.

v Passou a ser espaço de liberdade e de comunicação. A criança poderia manifestar sua afetividade e criatividade. Todas manifestações infantis foram tomadas como naturais.

v A escola manteve-se vigilante quanto ao desenvolvimento psicológico da criança.

v Vigilantes do desenvolvimento: composto por psicólogos e pedagogos.

v Regras e disciplina: não havia regras, a não ser aquelas construídas pelo grupo escolar. Também não havia preocupação com a disciplina.

v A comunicação entre as crianças era prioridade.

v Professor: função de organizador das condições de aprendizagem, devendo prover materiais e situações de aprendizagem.

v Técnicas pedagógicas: se tornaram ativas, alunos em atividades permanentes, vivendo a situação do aprendizado e da descoberta.

v As escolas não cultuam mais os grandes homens, mudando seus nomes para ideias ou símbolos de grupalização e referência a infância.

v A cultura como saber continuo a ser instrumento básico de trabalho, era importante estimular perguntas e não mais fornecer respostas.

v Escola Nova: caracterizada por liberdade, comunicação, afetividade e criatividade, com situações de aprendizagem ativas.

v Visão do aluno: vista como naturalmente boas, com vistas a desenvolver uma educação que as mantenham assim.

5. Para que a Psicologia?

v Era preciso saber como se dá o desenvolvimento natural das crianças para poder vigiá-las deste ponto de vista.

v Psicologia aparece como área do saber capaz de fornecer respostas que se necessitava.

v Muita coisa será produzida sobre o desenvolvimento infantil: de seu pensamento e inteligência, de seus afetos e sua sociabilidade, oferecendo a educação um saber imprescindível.

v A psicologia também se desenvolve como prática capaz de contribuir no processo educacional: instrumentos de Psicologia (testes), como, formar classes homogêneas e avaliar o desenvolvimento; e a clínica começa a atender crianças com dificuldade de aprendizado.

6. Estrutura Social – Escola Nova

v Capitalismo monopolista, sociedade em permanente movimento.

v Nada é sagrado que não possa ser transformado e vendido como mercadoria.

v Movimento permanente: apenas o movimento da sociedade, do mercado e da produção garante a reprodução de capital e promete ascensão a todos.

v Neste constante movimento necessita-se de pessoas inquietas, ativas e criativas – homens e mulheres empreendedores.

v A política educacional é o resultado de disputa de interesses e negociações entre grupos religiosos, empresários, trabalhadores.

A Cumplicidade Ideológica

1. Devemos ser capazes de desvelar o que os discursos e concepções construídas ocultaram.

2. A educação ficou concebida como processo cultural de desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos.

3. Todos os aspectos sociais que compõem e educação ficaram ocultados.

4. A educação é um processo social, por meio da qual a sociedade adulta impõe seus modelos, valores e regras:

v Responde às necessidades de grupos dominantes;

v A educação é mantida financeiramente;

v É cobrado dela responder às exigências e funções atribuídas;

v Espera-se que prepare os indivíduos para o trabalho e para a convivência social (regras de conduta e valores morais dominantes);

v Deve utilizar como instrumento básico de intervenção uma determinada cultura, tomada pelo conjunto social, que controlaa educação, como a única cultura válida.

v São esses parâmetros sociais que são traduzidos em parâmetros pedagógicos e servem para a programação de conteúdo escolares, regras, critérios e formas de avaliação.

5. A psicologia dominante possui uma visão de homem que parte da noção de natureza humana.

v Somos dotados de uma natureza que, ao se atualizar, produz capacidades que temos como humanos.

v O mundo psicológico faz parte desta natureza, portanto, está dado como potencialidade.

v A dinâmica e estruturas do mundo psíquico são universais, o conteúdo varia com a cultura.

v As crianças que por qualquer motivo não apresentam desenvolvimento serão tomadas como problemas.

v Nossas noções isolaram o sujeito de seu mundo social.

v A psicologia não integrou em seus conceitos a realidade social.

v É com esta noção que a Psicologia contribui, para que a educação e as instituições possam sempre ficar ilesas e isentas da crítica ou do fracasso, e este será sempre dos sujeitos, nunca da didática, estrutura autoritária da escola, de sua desatualização, etc.

v O pensamento científico vem com autoridade para explicar o que se quer esconder (pobreza, desestruturação familiar, violência, moradia).

6. Diagnóstico psicológico – encaminhamento escolar

v Muitos diagnósticos são feitos sem que se conheça a escola, a professora, o que está sendo ensinado, como está sendo ensinado;

v Sem que se pergunte à criança o que ela sabe sobre o seu encaminhamento, sobre suas dificuldades em aprender e suas ideias a respeito da escola;

v É como se o modelo de diagnóstico de relatório já estivessem dados e estas questões não coubessem nos instrumentos e formulários;

v A cumplicidade que se afirma, é exatamente esta: a Psicologia se tornou cúmplice de Pedagogia na acusação da vítima.

v Não analisou a educação como um processo social e a escola como uma instituição a serviços de interesses sociais.

v Como estas questões interferem na sala de aula, nas formas de ensino, na avaliação e seus critérios, e como determinam seu currículo oculto.

As Consequências da Cumplicidade

1. Os interesses das camadas dominantes ficam garantidos.

2. Mas porque tanto interesse em acobertar o processo social que caracteriza a educação?

v As relações sociais e as formas de produção de vida, no Brasil, têm gerado desigualdades sociais de tamanha monta que somos campeões de desigualdade no mundo.

v A educação é divulgada como um processo baseado e produtor de igualdade social;

v As desigualdades sociais são compreendidas como falta de empenho ou dedicação à educação.

a) Este discurso sobre a educação garante o papel “neutro” do governo/Estado;

b) Permite que a política de redução de gastos com projetos sociais se desenvolva em surdina;

c) Projetos de privatização da educação são apresentados sempre como busca de qualidade;

d) As escolas públicas foram sucateadas com a política de redução de gastos – as camadas médias e altas retiraram seus filhos destas escolas e os colocaram em particulares;

e) Agora a privatização é oferecida como mesma oportunidade para todos – restando a escola pública como alternativa apenas para camadas muito pobres.

f) A situação da escola pública é lida como crise, quando na verdade é uma política.

v A concepção de educação como acesso a cultura continua a vigorar:

a) As populações pobres se sentem menos competentes e capazes porque não dominam a Cultura;

b) Esforçam-se para que seus filhos frequentem a escola e se apropriem da Cultura;

c) Podendo concorrer no mercado em “pé de igualdade” com todos os outros filhos;

d) As camadas baixas desenvolvem uma autodesvalorização: pois as condições foram dadas e seus filhos não souberam aproveitar.

v O papel cumprido pela ideologia da educação como produtora de igualdade e de condições para se obter uma vida digna se torna fundamental:

a) Para qualquer governo que não queira investir em projetos sociais;

b) Que não queira entender a educação como um direito de todos;

c) E investir nela como condição de qualificação da sociedade.

3. Como a psicologia se torna cúmplice desta ideologia?

v O individualismo (responsabilização do indivíduo pelo seu próprio desenvolvimento) recebe enorme ajuda da psicologia para se instituir:

a) A ideia de diferenças individuais, marcando que cada indivíduo possui suas características e deve ser avaliado por isto, e que estas diferenças são da responsabilidade de cada um.

b) Ideia de sujeito isolado do mundo social, com desenvolvimento independente de forças ou condições sociais.

c) Reduz a realidade educacional que também é social, a uma realidade individual.

Outras Consequências da Cumplicidade Ideológica

1. Oposição entre discurso educativo e prática escolar

v O discurso educativo garantirá a igualdade.

v A prática escolar trabalhará com experiências de currículo oculto (desigualdade, diferença, preconceitos e discriminações).

a) Situações que fogem ao currículo planejado e organizado por órgãos competentes, pela escola e professor;

b) Como o professor lida com o aluno que apresenta dificuldades e com situações de indisciplina;

c) Situações que fogem ao planejamento e ao discurso oficial da educação;

v Falsidade permanente no processo educativo:

a) Contradição vivida entre o discurso do professor e sua prática com os alunos (fala de igualdade, mas trata alunos como desiguais; fala da relação da escola com a vida, mas não vincula o ensino à vida dos alunos);

b) Esta situação de contradição é vivida e significada do ponto de vista da subjetividade de cada aluno e próprio professor;

c) Desenvolve a todos eles um descrédito na educação.

2. Noção de naturalização do homem

v As diferenças entre as pessoas ficam tomadas como distintas produzidas no decorrer do tempo e desenvolvimento, geradas pelas formas como cada um se engaja e aproveita as condições oferecidas pelo meio.

v Garante a noção de igualdade natural entre os homens e diferenças individuais produzidas sob responsabilidade de cada um.

v No processo educacional esta noção tem decorrências importantes:

a) Avaliação da produção: avaliar todos da mesma forma, porque são inicialmente iguais.

(1) Os critérios de avaliação são apresentados como naturais;

(2) Fica fora do alcance do professor modificá-los, eles se referem aos conteúdos ou habilidades naquela fase do desenvolvimento;

(3) Avaliar é compreendido como comparar um modelo, com um padrão natural do desenvolvimento;

(4) O professor nega seu papel ativo de avaliar, e torna-se um mero verificador do desenvolvimento do aluno.

b) Desvalorização do aluno: aluno não é considerado como parceiro em um processo, no qual seus componentes estão em movimento e transformação.

(1) Estabelece posição de: professor que sabe e aluno que aprende;

(2) Deixa de perceber o processo dialético de aprendizado, que reduz a distância e a diferença entre professor e aluno (construção do conhecimento);

c) O erro é visto como um descaminho:

(1) Não como um momento de aprendizado;

(2) Como etapa da experiência;

(3) Como condição de desenvolvimento de um aluno autônomo;

(4) A avaliação deveria ser um momento de compreensão dos acertos e erros;

(5) O erro é tomado como: desleixo, descaso, falta de atenção ou estudo.

d) Dificuldade de aprendizagem:

(1) Não se pode pensar em adaptar o ensino ou suas condições para acolher a criança com sua vida vivida (problemas familiares, moradia, violência, estímulo, afeto, alimentação, etc);

(2) Há uma neutralidade no ensino e as condições iguais a todos;

(3) A escola ensina da mesma forma sempre, desconhecendo os alunos que estão aprendendo.

e) Patologização da pobreza:

(1) Alunos são vistos com “dificuldade de aprender”;

(2) Mecanismos são criados para corrigir as falhas: um deles é a psicopedagogia;

(3) Ensinam individualmente considerando a situação de cada criança e adaptam o ensino às condições da vida de cada um;

(4) Os psicólogos são chamados para ajudar a superarem dificuldades, que são suas, individuais.

(5) E o problema que deveria ser lido como um problema da educação, do ensino, da sociedade, é lido como um problema individual.

v A Psicologia deveria ser capaz de denunciar péssimas condições de vida como geradoras de desigualdade que leva alunos desiguais à escola.

a) Escola esta que incrementa esta desigualdade e oferece uma ideologia que consegue fazer o aluno e sua família acreditarem que ele é o responsável pela situação de fracasso.

b) Assim silencia a pobreza, com a ajuda da Psicologia, destinada a ser lida como falta de aproveitamento das oportunidadesque o Estado oferece a todos para se desenvolverem.

c) São tratados como pessoas preguiçosas que não vêem a importância da educação, e devem ser responsabilizados pelo fracasso a que estão destinados.

d) A psicologia deve romper com a cumplicidade que tem caracterizado sua relação com a educação, para se apresentar como um conhecimento capaz de demonstrar e compreender a dimensão subjetiva da experiência vivida na escola pelas camadas pobres.

v A Psicologia se institui em nossa sociedade moderna como uma ciência e uma profissão conservadoras que não constrói, nem debate um projeto de transformação social.

a) Pois se o estado de saúde e psicológico ideal é natural, não há por que considerar necessário um projeto de homem e sociedade que respalde a Psicologia e suas intervenções.

b) O diferente torna-se patológico, pois não segue a natureza humana.

c) A psicologia se instalou na sociedade brasileira para diferenciar e categorizar, criando instrumentos adequados para isto e construiu-se um perfil profissional voltado para psicoterapias e para os consultórios de psicologia.

v É preciso adotar concepções que compreendam o sujeito como se constituindo ao atuar no mundo e nas relações sociais.

a) Pensar o homem, como ser histórico e social, que atua de forma transformadora sobre o mundo e, ao fazer isso, se transforma também;

b) Possibilita que a Psicologia contribua para que o educador compreenda a importância de seu papel na escola:

(1) Planejamento das situações educativas;

(2) Enriquecer o ensino com conteúdos da realidade próxima aos educandos;

(3) Estes elementos serão condições de construção de um mundo psicológico saudável;

(4) Possibilitam ao aluno ampliar a sua compreensão do mundo que o cerca.

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