*AMATUZZI, M. Por uma Psicologia Humana.
Capítulo IV - Pesquisa do Vivido
1) Objetivos
a) Mostrar que a abordagem humana passa muitas vezes por uma abordagem fenomenológica: olhar para a consciência e significados do sujeito.
b) Este olhar é determinado pelas indagações do pesquisador.
c) Pretende clarear os rumos da pesquisa e da prática.
2) Inspiração Fenomenológica
a) Importância atribuída ao vivido - guia para nossas ações e pensamentos.
b) Pesquisa com objetivo de aproximação do vivido e seu significado potencial face a uma problemática trazida pelo pesquisador.
c) É diante de uma indagação que o vivido se manifesta.
3) O que é vivido?
a) É a reação imediata àquilo que nos acontece antes mesmo que tenhamos refletido e elaborado conceitos.
b) Experiência imediata. Como nos sentimos.
c) Reação interna com alguma coisa da consciência.
d) Não se trata de reação externa, algo físico ou fisiológico.
e) Está além das mediações pensadas, além das escalas de valor.
f) Algo que tenha acontecido que seja portador de um sentido potencial para mim.
g) O vivido é a reação psicológica, mental e espiritual, antes de qualquer elaboração posterior com raciocínios.
h) Esta em um plano onde o sentir e pensar ainda não se distinguiram.É sentimento e pensamento potenciais.
i) Vivido, experiência imediata, sentimento primeiro.
j) A pesquisa fenomenológica pretende voltar ao vivido, colocando as elaborações que se fazem a partir dele entre parênteses, para revê-las depois, à luz daquela fonte primeira.
4) Como chegar ao vivido?
a) Primeiro examinamos o que acontece no plano das significações, o seu percurso psicológico.
b) A função da pesquisa consiste na significação do contexto trazida pelo pesquisador.
c) O vivido é sempre acompanhado de alguma significação, isto implica em dizer que não temos acesso direto a ele.
d) Qualquer acesso já é uma forma de significá-lo tanto por parte do sujeito que o vive, como por parte do pesquisador.
e) Por isso devemos dizer que o vivido “se diz” dentro de nós, ele se expressa, e assim assume um significado.
f) É nesse ato de se dizer, que ele se constitui como vivido pleno, pois é a partir de sua inscrição mínima na consciência que ele se torna vivido e não apenas uma evento físico.
g) Essa inscrição mínima é duplamente determinada, a partir de fora:
Recebe influência dos modelos de pensamento e linguagem que existem no contexto sociocultural.
Recebe a influência da história individual do sujeito tal como foi se construindo e deixando suas marcas na memória total dele.
Essa dupla influência se apresenta como os ossos desse corpo, sendo que a carne é o próprio vivido original.
O resultado é um corpo unificado = reação original +estrutura que possibilita a expressão e a forma como é conscientizado, por outro.
h) Esse corpo (vivido constituído) se expressa:
Como uma forma de consciência.
Como forma de ação (no meio) a uma resposta (que também é uma forma de consciência).
3 ângulos do triângulo:
j) O vivido pleno em sua manifestação primeira é o triângulo inteiro.
k) Essa complexa realidade psicológica costuma se expressar por tríades de palavras:
Sentimento-pensamento-ação
Experiência-percepção-comunicação
Vivido-simbolizado-manifesto
l) Como realidade dinâmica esse triângulo (vivido pleno) nasce de um núcleo, o “centro” ou “coração” da pessoa.
O “coração” humano é uma abertura, é por isso que dizemos que algo nos acontece.
O passo primeiro, onde se constitui a subjetividade, é um acolhimento.
m) O triângulo vindo desse centro, se expande para fora, formando uma pirâmide de 3 lados.
n) O pensamento se desdobra em reflexão ou elaboração posterior, constituindo um pensamento segundo.
o) A ação primeira vai também se sofisticando e se elaborando em ações planejadas e complexas.
p) E cada uma dessas coisas gera também novas vivências, desdobrando o puro vivido primeiro.
q) Isso é necessário e biologicamente adaptativo para nossa espécie humana.
r) Mas tem um risco: distanciar-nos do centro a ponto de perder o contato com ele, e consequentemente perder a relação básica.
Daí a expansão do triângulo se transforma em desvario e joga a pessoa no isolamento, por mais que ela aja e interfira no meio.
Uma pirâmide “furada” em seu topo, sem o vértice e portanto sem eixo.
Uma pessoa inteligente planeja mil ações e faz sutis análises, mas não satisfaz seu coração. Ela perdeu o contato com seu centro, sua relação básica.
5) Acesso ao vivido na pesquisa fenomenológica
a) Uma pesquisa é uma atividade situada em nossa consciência
b) A pesquisa tem vários polos:
De raciocínio, reflexão, pensamento;
(1) uma pesquisa é uma reflexão, um pensamento segundo. Desdobrou-se como uma reflexão, pondo-se deliberadamente e sistematicamente a olhar para os pensamento primeiros ou ações, que expressam o vivido originalmente.
(2) esse pensamento segundo torna-se primeiro no âmbito interno da pesquisa.
(3) será uma boa pesquisa quando os polos estiverem interligados.
Um de sentimento primeiro que decorre do contato com o dado;
Num terceiro, uma ação que é todo seu procedimento;
Sem falar nas ações decorrentes, mudanças na forma de estar no mundo que são consequências do conhecimento gerado;
E os sentimentos e pensamentos que acompanham e se seguem a isso.
c) A pesquisa está mais distante do centro gerador, embora só tenha sentido enquanto estiver sob o influxo de sua energia.
d) O acesso ao vivido, na pesquisa fenomenológica, se dá através do pensamento e ações que o manifestam da forma mais direta possível.
e) Depoimento é o nome para essas manifestações quando são tomadas exatamente como apoio empírico para pesquisas.
Existem formas adequadas de depoimento para cada pesquisa.
Qualquer expressão humana pode se constituir em depoimento.
(1) Frequentemente é um relato verbal;
(2) Focalizado na experiência imediata que é o objeto da investigação.
(3) O depoimento não é sempre manifestação direta e imediata do vivido em questão.
(4) Ás vezes o sujeito precisa recorrer à sua memória, que deve ser levado em conta toda a elaboração acrescida pela memória.
(5) Este depoimento é portanto expressão do vivido de forma indireta, já que o fluxo da consciência no tempo possui continuidade (se constituem em desdobramento do vivido).
Deve ser uma luz que atravessa a materialidade do depoimento e embarca em sua intencionalidade, vai em direção ao vivido puro, buscando expressá-lo em outro pensamento que faça sentido no contexto da problemática trazida pelo pesquisador.
f) A pesquisa é um pensamento segundo, de reflexão, que se volta para uma expressão do vivido, o depoimento. Que é determinada pelo contexto cultural e história pessoal do sujeito.
Esta ocorre quando o pesquisador reflete guiado pela indagação em busca do vivido ali contido, sem se desviar para a busca dos padrões coletivos, ou elementos da história escondida.
O pesquisador procura dizer inicialmente este significado para o sujeito, tal como ele se mostra no depoimento.
E depois por uma espécie de trabalho de abstração conceitual, vai desprendendo do contexto concreto do sujeito, para expressar seu significado mais geral.
Esse significado mais geral é o que aparece no contexto mais amplo da existência humana, naquele aspecto que está sendo problematizado pelo pesquisador, a partir de seu contexto.
g) A luz sob a qual se lê o depoimento:
É uma luz que permite atravessar a materialidade empírica do próprio depoimento;
Chegar ao vivido que ele expressa;
E depois abstrair-se do contexto concreto deste sujeito;
Buscar os significados gerais em relação à existência humana problematizada pelo pesquisador.
Mas esses significados gerais devem dar conta do concreto dos sujeitos. Devem ser suficientes para dizer e clarear esse vivido de um ponto de vista mais abrangente ( capaz de incluir outros possíveis sujeitos nesta compreensão).
h) Onde termina essa pesquisa do vivido?
Com a afirmação de uma possibilidade de compreensão (ou um conceito) que se estende para além dos sujeitos estudados naquela amostra.
A pesquisa fenomenológica, em psicologia científica, descreve uma essência (Husserl), a partir de depoimentos concretos de pessoas falando de suas experiências.
Deve possibilitar um posicionamento mais efetivo na ação.
Essa visão mais clara do assunto é o que o pesquisador busca, a partir de uma questão que está tendo significado para ele.
(1) Ele procura interlocutores com que possa dialogar em torno da experiência vivida e assim produzir respostas.
(2) Quando o interlocutor assume a mesma posição da pesquisa, ele saí também beneficiado por ela. Ele sai compreendendo-se melhor (capaz de ações mais efetivas).
Por isso dentro da luz fenomenológica não há diferenças essenciais entre pesquisa e atendimento psicológico. É como uma volta á fonte, “às coisas mesmas”.