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Foto do escritorThamires Melo

Humanismo e Psicologia


#pracegover: desenho em tons marrons, com uma borda marrom escura, um círculo marrom no centro que mete ao sol e um ícone de uma pessoa de corpo inteiro dentro deste círculo. A pessoa tem uma chama na altura do coração e um cérebro na cabeça em destaque.

*Referência: o texto corresponde a uma palestra pronunciada na IV Jornada de Psicologia Humanista, promovida pelo Centro de Psicologia da Pessoa e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em agosto de 1988.

*Publicação: publicada em Arquivos Brasileiros de Psicologia, 41, (4), pp. 88-95, set./nov. de 1989, com o título “O significado da Psicologia Humanista, posicionamentos filosóficos implícitos”.

1) Proposições:

a) Homem não é um “bicho que fala”. Ele é palavra, ele se encontra na linguagem e não a linguagem que se encontra no homem. (reencontro com ideia de Heidegger e Buber).

b) Não é jogo de palavras. Trata-se de uma afirmação precisa, que implica mudança radical de ponto de vista.

c) Esta mudança radical de ponto de vista é o que caracteriza a contribuição do humanismo para a psicologia.

d) Não se trata de uma mudança de objeto, método e nem teoria. Trata-se de uma mudança na relação com o objeto.

e) Capaz de assumir o mesmo método, só que num sentido global diferente. A teoria torna-se relativa: não se trata mais de teorizar, como um fim, a teoria passa a ser antes de tudo um compromisso.

2) Visão do ser humano:

a) A consideração do sentido é fundamental. Para compreender o ser humano tenho que lidar com questões de sentido.

b) A consideração do ser humano em termo de causa e efeito não dá conta do que seja o ser humano como totalidade e movimento.

c) O principal desafio que se coloca face ao nosso viver: o que vamos fazer com nossa vida? Que sentido vamos dar a ela, e de tal forma que não nos isole de um sentido mais global?

d) Ser humano não com resultante, mas como, iniciante de uma série de coisas.

e) Relação explicativa se refere ao homem como resultado, como repertório, ou como recebido = homem como passado.

f) Homem atual, homem desafiado, homem que tem que responder e posicionar-se, homem presente (face ao futuro), em movimento, é que encontra as questões de sentido: que surpreendem o homem como existente (não apenas como natureza, como diria Merleau-Ponty).

g) A palavra é exatamente a questão do sentido. Por isso o homem atual se encontra na palavra, e não o contrário.

h) É na decifração de suas questões de sentido que o homem pode se instaurar em sua atualidade.

i) A decifração do sentido só será um discurso no presente se for vivencial, experiencial, uma vivência do próprio sentido criando novos sentidos. A decifração dos sentidos que permanece no atual identifica-se com o enfrentamento de desafios, e não é apenas um estudo deles.

j) O homem atual encontra-se no assumir as questões de sentido e isso significa uma reviravolta completa de perspectivas (do homem-resultado para o homem-atual). E é essa reviravolta que faz o sentido do humanismo na psicologia.

3) Analogia da cultura:

a) Diferença entre as duas perspectivas é a mesma que existe na cultura como resultado (ou como produto) e na cultura como ato cultural.

b) Uma coisa é estudar os produtos culturais de algum grupo social ou sociedade. Outra coisa é ser agente cultural, produzir cultura, inserir-se num movimento vivo de produção cultural.

c) A cultura que é vista pelo estudioso (produto acabado, mais ou menos estático) não tem nada a ver com a cultura que é praticada pelo agente cultural (movimento incessante, em constante mutação).

d) No primeiro fazemos a história no sentido de retratar um passado, no segundo fazemos a história no sentido de construir a história em curso. A primeira só tem sentido em função da história que estamos construindo.

e) A cultura de um povo não é algo feito, mas algo que se faz, e reduzir uma coisa à outra é, esmagar o potencial criativo de um povo, e tentar estagnar um movimento, impedindo que esse povo enfrente seus verdadeiros desafios.

4) Sentido do Humanismo:

a) Postura do atual, do presente, do atuante, do em curso;

b) Todas estas explicações só terão valor como instrumentos para isso, mesmo que, como instrumentos, permaneçam aquém dessa atualidade.

5) Sentido da palavra humanismo:

a) Sentido estrito o Humanismo é um movimento cultural, europeu, datado no séc. XIV e ligado à Renascença. Generalizando aplica-se a qualquer filosofia que coloque o homem no centro, como o caso da “psicologia humanista”.

  • O movimento cultural da Renascença surge no contexto contra um sobrenaturalismo medieval (significava um desprezo pelo que é humano), a vida presente e as suas produções não possuem valor, uma vez que o destino é a morte, havia a valorização do pós morte, das coisas eternas e as virtudes da alma.

  • O humanismo nasce sob a bandeira da valorização do humano. Significava na prática um retorno aos clássicos, e a cultura pagã greco-romana. O que é humano tem valor em si mesmo, e não como um mero suporte ao sobrenatural. Virtude é o desenvolvimento das potencialidades humanas e não algo acrescentado de fora. Para alguns este representou uma rejeição da visão teológica, no séc. XX é representado pelo humanismo ateu (ex. Sartre). Existe todo um humanismo cristão (ex. Teilhard de Chardin).

b) Erich Fromm fala do humanismo não como um movimento iniciado na Europa. Ele fala de uma tradição da ética humanista que encontra representantes em praticamente todas as épocas do pensamento ocidental. Ele próprio pretende ser um pensador que se insere nesta tradição. Nesta, diz ele, “predomina a opinião de que o conhecimento do homem é a base para o estabelecimento de normas e valores”. Normas e valores referem-se ao caminho por onde vamos, que é questão de sentido. O encaminhamento desses problemas são ao mesmo tempo ética e psicologia.

  • Ética porque seu conteúdo é a questão de sentido (por-onde-vamos);

  • Psicologia porque para isso nos debruçamos sobre o homem buscando um conhecimento de sua natureza;

(1) Na ética humanista o bem é a afirmação da vida, desenvolvimento das capacidades do homem. A virtude consiste em assumir-se as responsabilidades de sua própria existência. O mal consiste a mutilação destas capacidades e o vício reside na irresponsabilidade perante si mesmo.

  • Rogers e Maslow aproximam-se de semelhantes concepções:

(1) A tendência atualizante de Rogers;

(2) O conceito de auto-realização de Maslow;

  • O que está na raiz do humanismo não é, apenas um postulado teórico, mas uma atitude concreta em favor do homem.

c) André Amar numa visão de conjunto da história da psicologia situa quatro momentos:

  • O primeiro da psicologia humanista que vem da Idade Média ou mesmo da Antiguidade grega e vai até o começo da psicologia científica, caracterizada por um posicionamento ético, ou seja, não dissociação entre pesquisa objetiva e um posicionamento de valores, uma visão do sentido da existência;

  • O segundo momento é o da psicologia científica onde se dá a ruptura entre a objetividade científica e a ética;

  • E posteriormente, como terceiro e quarto momentos, a psicanálise e a psicologia fenomenológica, e neste último principalmente começam a reaparecer coisas do primeiro momento;

(1) Sua classificação sugere além de um posicionamento ético indissociável, implica uma crítica à atitude científica.

(2) Esses três sentidos convergem para o mesmo ponto.

d) Sentido restrito e contemporâneo do termo, com dois livros que se tornaram clássicos:

  • Psicologia Existencial Humanista, de Thomas Greening;

  • A Psicologia do Ser, de Abraham Maslow;

(1) Década de 60 nos Estados Unidos

(2) Tempo de Guerra do Vietnã, considerada absurda pelo povo, resultante em inúmeras manifestações.

(3) Representou um grande questionamento coletivo – uma crise ética.

(4) Surgiu da insatisfação com dois conjuntos teóricos: behaviorismo e psicanálise. Bem como uma descrença nas possibilidades da filosofia.

(5) Surge o humanismo como um lugar em comum onde se encontram todos os psicólogos insatisfeitos com a visão de homem implícita nas psicologias oficiais disponíveis.

(6) Atitude humanista no interior da psicologia:

(a) A psicologia não pode ser apenas um conjunto de conhecimentos técnicos a serviço de qualquer finalidade; é ao tomar para si esta questão que ela se faz uma ciência do homem;

(b) Husserl foi um dos que iniciou um questionamento da aplicação do método científico à realidade humana. Para ele a originalidade da consciência fica fora do alcance do método das ciências naturais exatamente por sua realidade intencional (só é captada através da questão do sentido). Para Buber, o centro da pessoa só se revela no ato da relação. As afirmações científicas podem ser verdadeiras, mas não caracterizam aquilo que é especificamente humano;

(c) O homem é essencialmente um gesto, ele é atribuidor de sentido, e é assim que ele constitui um mundo e se constitui a si mesmo na relação com o mundo;

(d) Se separarmos as coisas, não veremos a realidade significativa, a atual, o presente. Trata-se na forma de conceber o saber a relação humana e o conhecimento.

(e) A atitude fenomenológica comparada à atitude ingênua e a atitude crítica:

  • Atitude ingênua entende o mundo como independente, constituído por si mesmo e como tal cognoscível (Maslow fica nesta atitude).

  • Na atitude crítica sabemos que o que percebemos deste mundo depende de nossos referenciais (ref. Kant com sua crítica ao conhecimento). Para o nascimento mais forte desta atitude é preciso relativizar o conhecimento e estudar os referenciais através dos quais ele se dá.

  • A atitude fenomenológica vai além da crítica, é só na interação que teremos o verdadeiro conhecimento. Este compõe a interação humana com o mundo.

  • O humanismo em psicologia aponta para uma atitude fenomenológica.

(f) É só nessa postura totalmente diferente que se revela o homem no que ele tem de próprio, uma totalidade em movimento, uma criatividade, e não completamente isolável de totalidades mais abrangentes.

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